Águas de São Pedro: muito mais que R$ 80 em jogo

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A maior parte da classe política está desprovida de apoio popular, e isso é fato. Salvo raras exceções, – e é possível contar nos dedos – pouquíssimos políticos ainda desfrutam da confiança de seus eleitores. Reflexo disso, as pequenas cidades também começam a se manifestar contrariamente ao que muitos chamam de ‘legislar em causa própria’.

Em Águas de São Pedro, por exemplo, os vereadores já encontram forte resistência popular para aprovar uma proposta que permite a Câmara reajustar o salário dos parlamentares de acordo com a inflação anual. O texto autoriza o salário atual de R$ 3.924,71 passar para R$ 4.005,83 (aumento real de R$ 81,12).

Constitucionalmente falando, a medida é viável. O Legislativo diz que dispõe de recursos. Mas porque há tanta resistência local para que isso não aconteça se o aumento não passa de 2%? A resposta pode estar no pragmatismo social, no sentimento de abandono que boa parte da sociedade vive ou a diferença entre as classes no país.

Na prática, o brasileiro não aceita mais concessões de benefícios e reajustes salariais a políticos enquanto veem o seu ordenado minguar diante da crise econômica sem fim. Há um novo vértice se espalhando Brasil afora de que cargos eletivos deveriam ter uma remuneração simbólica ou bem mais ínfima ao que se vê.

Na mesma Câmara de Vereadores, tramita outra proposta do vereador Marcelo Pato (PSD) que prevê sessões ordinárias uma vez por semana. Hoje, os parlamentares recebem quase R$ 4 mil para irem ao Legislativo duas vezes ao mês. A iniciativa, no entanto, dificilmente deve passar em Plenário…

Não intento dizer quão árduo é o trabalho de vereador, pois sabemos que há aqueles que desempenham importante papel no dia a dia, atendendo pedidos e ouvindo reivindicações de moradores. Há que se lembrar que cargos políticos são vistos como um complemento de atividade, e não a renda principal de quem foi eleito. Em Águas, todos os nove vereadores têm uma atividade paralela.

Na mente do povo – e aí me incluo – o trabalho de fiscalizar o Executivo e ser o porta-voz do cidadão deve transcender qualquer aspiração salarial. Deve beirar o amor pela cidade, paixão transformada em desenvolvimento local.

E não faltam exemplos da indignação do povo com a classe política. Desde 2017, três municípios do Paraná pagam aos vereadores subsídio equivalente a um salário mínimo. Com a medida já aprovada em 2016, as cidades de Mauá da Serra, Santo Antônio da Platina e São Mateus do Sul viram mais da metade dos então vereadores desistirem da eleição no pleito seguinte.

Em Cuiabá, moradores deram entrada em um projeto de lei de iniciativa popular para reduzir os salários dos vereadores locais de R$ 15 mil para três salários mínimos mensais. Entre vencimento e benefícios, o ordenado final chega a R$ 24 mil.

Aí fica a pergunta: Será que teríamos tantos candidatos nas eleições caso os salários não fossem tão atrativos? Qual a porcentagem deles que estão em busca de votos de amigos e familiares apenas por querer tal ‘boquinha’?

É nessas horas que a pressão popular exerce uma espécie de ‘termômetro’ na política local. Em Águas, o presidente da Câmara Nelinho Noronha (PT) disse que se for preciso desempatar a votação, o aumento não passa. Já o vereador Valter da Jaws (PPS) afirmou que caso o reajuste seja aprovado, vai doar a diferença de seu salário a uma entidade social do município.

Em um país onde políticos são flagrados carregando mala de dinheiro, sinal de fumaça já é fogaréu.

Há muito mais que R$ 80 em jogo. Há indignação. Há repulsa. Há, sobretudo, a vontade do povo. Afinal, quem estava falando dos R$ 80?

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