Ex-prefeito tentou ‘patentear’ jaracatiá e proibir comerciantes de vendê-lo

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A marca Jaracatiá Doce & Arte está registrada no nome de Eduardo Modesto;
A marca Jaracatiá Doce & Arte está registrada no nome de Eduardo Modesto;

Nunca antes na história o jaracatiá esteve tanto na boca dos são-pedrenses. Desta vez, porém, uma polêmica ronda a estância: a quem pertence o fruto originário da Mata Atlântica? A resposta parece óbvia, mas a sua comercialização tem rendido ‘doce pra manga’.

Ex-prefeito de São Pedro, Eduardo Modesto é dono de uma loja no centro da cidade que comercializa o doce de jaracatiá e outros derivados. Ele teria, segundo testemunhas ouvidas pelo FATO POLÍTICO, notificado extrajudicialmente pequenos produtores para que eles não vendessem o jaracatiá.

Mário Salviatto Filho é sócio-proprietário da Zuleika Doces que há 36 anos está estabelecida no município. Ele conta que foi um dos que recebeu a notificação do ex-prefeito. “Recebemos a notificação no sentido de que não poderíamos vender o doce de jaracatiá por uma empresa de Campinas. Ele [Modesto] alega que a marca é dele”, contou.

Para ele, Modesto agiu de forma equivocada. “Como vai dizer que patenteou o jaracatiá? Como se detém a patente de um fruto? Seria a mesma coisa que eu tentar patentear o morango e querer impedir que outras pessoas o vendam. O jaracatiá não é nosso carro-chefe, mas vamos seguir vendendo o doce”, disse Salviatto.

Luíza Helena Mamone, de 70 anos, viu suas vendas caírem drasticamente depois que seu marido foi chamado para uma conversa com o ex-prefeito. Em 2019 ela optou por não produzir o doce, mas até 2018 tinha uma renda mínima de R$ 12 mil por ano com a venda de aproximadamente 800 vidros do doce em compota.

“Eu vendia o doce até em Águas de São Pedro. De 2018 pra cá a procura caiu muito, as pessoas deixaram de comprar. Ele [Modesto] ligou para o meu marido e disse que a marca era dele. Muita gente da feirinha do produtor também passou pela mesma situação”, conta ela.

Cópia da notificação recebida pelos proprietários da Zuleika Doces;

Luíza Helena disse ainda que ela e o marido foram até um posto móvel do Sebrae na cidade para consultar se existia alguma restrição pela venda do doce. “Quisemos verificar isso, e nos foi informado de que não havia nenhum tipo de patente. Inclusive nos disseram que um pedido foi indeferido”, ressaltou.

Apenas marca é registrada

Consulta à base de dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) revela que Eduardo Speranza Modesto detém apenas o registro da marca que dá nome à sua loja: Jaracatiá Doce & Arte.

O FATO POLÍTICO entrou em contato com o ex-prefeito, que afirmou não querer se pronunciar sobre o assunto. Também não confirmou se notificou extrajudicialmente os produtores do doce jaracatiá e muito menos deu detalhes se procurou ou não a Autoral Patentes e Marcas com sede na cidade de Campinas.

INPI mostra registro de marca apenas da loja do ex-prefeito;

Jaracatiá é declarado patrimônio de São Pedro

Em março deste ano, os vereadores da cidade aprovaram proposta que tornou o jaracatiá parte do patrimônio cultural da estância. O fruto tornou-se um símbolo da cidade e atualmente é objeto de projetos educativos desenvolvidos na rede de ensino, a exemplo do Festival do Jaracatiá, realizado desde 2014.

Na comemoração, é exaltado o aspecto cultural da gastronomia, passada de geração para geração, apresentando receitas elaboradas com o jaracatiá como ingrediente principal que vão muito além da tradicional compota, como: geleias, cupcakes, bolos, sorvetes e churros.

O jaracatiá

O jaracatiazeiro, árvore que dá origem ao fruto, é originária da Mata Atlântica e pertence à mesma família do mamoeiro. Seus frutos têm formato oval e, ao amadurecerem, tornam-se amarelos a alaranjados, semelhantes ao mamão papaia. O nome jaracatiá vem do tupi e significa “fruta da árvore do talo ou tronco mole”.

Desde a chegada das famílias imigrantes italianas na região, o consumo da fruta tem se consolidado como uma tradição local. Tal hábito foi herdado através do convívio com os índios, que habitavam as terras da Serra do Itaqueri e conheciam as muitas propriedades terapêuticas da fruta, e, aos poucos, foi incorporado aos costumes italianos, com a preparação de doces e compotas.

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