O imóvel onde funcionaria uma fundação que levaria o nome do ex-narrador Fiori Gigliotti, em Águas de São Pedro, está registrado no cartório de imóveis no nome de Maria Izabel Azevedo Noronha, a Professora Bebel (PT).
A proprietária é deputada estadual e irmã do vereador Nelinho Noronha (PT). O parlamentar, inclusive, é autor da proposta que tramitou no Legislativo águapedrense que pretendia alterar o zoneamento da casa, passando de zona residencial para zona comercial. A Câmara Municipal, no entanto, recomendou o veto ao Executivo.
O FATO POLÍTICO obteve acesso com exclusividade aos documentos que comprovam que a deputada Bebel é a dona do imóvel. O fato, no entanto, nunca foi mencionado pelo irmão da parlamentar ao defender o projeto, e tampouco é citado na justificativa do documento apresentado à Câmara de Vereadores por Nelinho. Especula-se, nos bastidores, que a dupla estaria de olho na valorização do imóvel com a mudança de zoneamento.
Na justificativa do Projeto de Lei Complementar 6/20, Nelinho limitou-se a dizer que “a propositura vem atender uma importante função social qual seja a implantação de fundação, ONG, ou associação que visa o bem comum em prol da população de Águas de São Pedro”.
Imóvel teria valorização mínima de 100%
A casa de propriedade da deputada está localizada na rua Embaixador Oswaldo Aranha, n° 406, no Jardim Porangaba. Com uma área de 1.254 metros quadrados e com registro de matrícula 28.695, possui área construída de 345 metros quadrados. Segundo os documentos, o imóvel foi comprado oficialmente por Bebel no dia 23 de julho do ano passado pelo valor de R$ 107 mil reais. Quatro meses depois da compra, em 18 de novembro de 2020, o projeto para a mudança de zoneamento foi apresentado na Câmara de Vereadores pelo irmão.
Caso o imóvel tivesse passado para zona comercial, a valorização mínima seria de 100%. É o que diz o corretor de imóveis Eduardo Castellari, que atua há 45 anos no ramo em Águas de São Pedro.
“Mesmo com o cenário atual, estamos falando de um imóvel que valeria, no mínimo, R$ 1 milhão para venda. A localização é ótima, o bairro muito bem estruturado e falo com base em residências vendidas recentemente na mesma região. É uma área em que o metro quadrado está avaliado em R$ 500. Aí soma o valor do terreno mais a casa construída em cima. Uma vez que fosse transformado em zona comercial, abre-se um leque de oportunidades de negócio. Um terreno comercial custa, pelo menos, o dobro do valor de um terreno comum”, explica Castellari.
O corretor de imóveis também alerta para outra possibilidade com a mudança de zoneamento: a construção de prédio. “Aí você tem a chance de fazer sobradinhos, ou até mesmo predinhos de três, quatro andares com 20 apartamentos. Sendo dentro dos 12,5 metros de altura permitido por lei na cidade, é possível fazer sim.”
Castellari alega, no entanto, que isso descaracterizaria a cidade. “Águas foi feita pela companhia City e tem um planejamento em cima de uma ideia. Tem muito verde e todo fim de quadra tem uma praça. Essa característica não pode ser mudada, não condiz com o que é a cidade. Não há zona comercial fora das ruas centrais. É muito raro você ter algo transformado em zona comercial onde é para ser estritamente residencial. Se acontece essa mudança, é por pura política. Cria problemas com vizinhos que querem apenas sossego”, ressalta.
Nelinho: “Sou vereador, posso apresentar qualquer propositura”
A reportagem procurou o vereador Nelinho Noronha para falar sobre o caso. O parlamentar defendeu o projeto e disse que “não haveria lucro nenhum para a família”. Reconheceu que o imóvel é da irmã e que só havia interesse social. Disse, ainda, que a fundação está a caminho da cidade vizinha Piracicaba, mas não deu detalhes de qual instituição se trata ou como seria o funcionamento em Águas de São Pedro caso a mudança de zoneamento fosse aprovada na estância.
“É lamentável para Águas de São Pedro. Uma fundação que não daria lucro algum para a minha família. O prefeito foi deselegante em vetar, e os vereadores vão ter que explicar onde que isso é fraude”, comentou, ao se referir a um texto publicado em meios de comunicação por um grupo de sete parlamentares contraponto o projeto.
Noronha disse também que só deveria constar no projeto a mudança de zoneamento, isentando-se de dar mais detalhes no mesmo sobre a possível fundação que faria ocupação da casa. “Ali tem que constar só a mudança de zoneamento. É assim que funciona. Eu consultei a rua, eu moro nessa rua. Ia prejudicar a rua onde eu moro?”, questionou.
Mesmo com a compra da casa no ano passado, Noronha deu a entender que o imóvel pertence à irmã há mais tempo. “A casa está parada há anos. Em 2016 foi alugada para estudantes, mas houve problema. Queríamos usar para fins sociais, tirar os jovens das ruas. Por causa dessa ‘perseguiçãozinha’, desse lado político que eles olham, Águas de São Pedro está perdendo. Eu acho que tem que parar com essa polêmica, o veto já passou. Ficam com muito mimimi, chamam de fraude. Vão ter que provar porque até agora eu não consigo enxergar isso no projeto.”
Nelinho Noronha também respondeu sobre ter elaborado um projeto que supostamente beneficiaria um membro da sua família. “Qual o problema? Eu sou vereador, posso apresentar qualquer propositura. Estão querendo fazer um festival onde não tem. Ia ser um grande projeto e que poderia alavancar votos. Tenho grande vantagem sobre eles na próxima eleição porque traria um projeto à altura de Águas de São Pedro”, continuou.
O vereador alegou também que suas idéias nem sempre são bem-vindas no Legislativo. “Aqui ninguém pode pensar além deles, se pensar eles pisam na tua cabeça. Mas na minha não pisa. A população está comigo, meu trabalho é de mais de 16 anos na política e antes disso eu já fazia bem social. Tenho meu carisma”, finalizou.
A reportagem tentou contato com o assessor da deputada Bebel, que alegou estar com Covid-19 e disse não poder atender. Também houve tentativa de contato via telefone e por whatsapp direto com a parlamentar, mas não houve retorno até a publicação desta matéria.